No seu primeiro discurso depois da iluminação, Sidarta Gautama fala que existe um caminho que leva ao fim do sofrimento. Este caminho recebe o nome de “Nobre Caminho Óctuplo”. Ele é composto de algumas etapas, mas neste estudo falaremos apenas de três, que são, no meu entender, os fundamentais…
Buda diz que é preciso ter um esforço correto para se atingir o fim do sofrimento. Antes de falarmos desta etapa do Nobre Caminho Óctuplo, é importante ressaltar o entendimento da palavra “correto”.
Quando fala de alguma coisa correta, Buda não está querendo se referir a algo certo, mas sim a algo que conduz a um determinado resultado. O esforço correto ao qual o Iluminado se referiu é aquele que leva ao fim do sofrimento e não o certo. Todo esforço é certo, desde que ele se transforme num instrumento para se alcançar determinado objetivo, mas passa a ser infrutífero quando ele é realizado em sentido contrário ao que se é buscado.
Sendo assim, ao dizer que existem atitudes corretas, Buda está afirmando que existem atitudes que podem conduzir ao fim do sofrimento e existem atitudes que não levam ao fim do sofrimento…
Voltemos, então, ao esforço correto. Qual o esforço correto que pode levar ao fim do sofrimento? Levando-se em conta o que Joaquim nos ensinou na série de palestras sobre a felicidade, é aquele que seja direcionado para o conhecimento do nosso mundo interior, para o conhecimento do que somos e queremos na realidade.
Este é o esforço correto que Buda ensina. Precisamos nos esforçar para nos conhecermos internamente, para nos desmascararmos para nós mesmos e conhecer a realidade que acreditamos viver. De nada adianta se esforçar para conhecer o mundo externo, pois como vimos, ele é fruto dos nossos pensamentos e não real como imaginamos ser.
Sendo assim, o esforço correto, então, leva à atenção plena correta. O ensinamento do Buda que leva ao fim do sofrimento é o esforçar-se para ter atenção plena em seus próprios pensamentos para poder atingir a consciência de que o mundo não é o que imaginamos ser, mas nós é que dizemos o que ele é através de nossos pensamentos.
Continuando a percorrer o Nobre Caminho Óctuplo vemos, então, que o esforço correto para uma atenção plena correta nos levará à compreensão correta dos acontecimentos da vida. Esta compreensão, como eu disse, não é a certa, mas aquela que nos leva ao fim do sofrimento. Antes de falarmos dela, vamos entender as compreensões que temos hoje sem usar este esforço correto…
Existem dois tipos de compreensões que chegamos sobre a nossa existência: uma espontânea e outra arquitetada.
A compreensão espontânea é aquela que nasce espontaneamente, ou seja, que não é construída através de pensamentos audíveis. Por exemplo: qual a sua compreensão do acontecimento que está vivendo neste momento? Você acredita que está lendo este texto. Para chegar a ela não foi preciso pensar, raciocinar: ela surgiu espontaneamente em nós…
A compreensão arquitetada é aquela que se chega através de um processo mental. É quando “pensamos” sobre qualquer assunto e vamos desenvolvendo o tema até chegarmos a uma conclusão. Por exemplo, quando pensamos sobre alguém. Quando pensamos em uma pessoa sempre a analisamos e vislumbramos os prós e contras e determinamos um rótulo para ela. Estes pensamentos são audíveis, ou seja, temos consciência do que pensamos…
Todas estas duas formas de pensar, no entanto, são não corretas no sentido da busca da felicidade. Por que? Porque, como Joaquim ensinou, todo pensamento é construído pela mente com verdades disponíveis na memória e sofrem ação do nosso egoísmo intrínseco que estão sempre buscando ganhar, ter o prazer, alcançar a fama e receber elogios.
Não importa qual compreensão se tenha sobre um acontecimento da vida, ela é falsa, pois não condiz com a Verdade, com a Realidade, mas atende sempre a busca egoísta da mente que para alcançar seu intento gera as posses e paixões.
Mas, então, qual é a compreensão correta de cada acontecimento da vida? É aquela que atende a Verdade que está encoberta pela razão, é aquela que atende a Realidade que a vontade de ganhar e ter prazer não nos deixa ver.
Podemos conhecer a Verdade e a Realidade, aquelas que se iniciam com letras maiúsculas porque são Absolutas? Joaquim diz que não… O amigo espiritual afirma que a mente humana é incapaz de conhecer a Verdade e a Realidade porque não possui percepções para tanto nem muito menos conhecimento do Universo como um todo. Além do mais, mesmo que percebêssemos a Realidade, não teríamos rótulos (descrições) disponíveis na memória para poder ter uma compreensão daquilo…
Ora, se não podemos compreender a Verdade e a Realidade e a compreensão correta é aquela que espelha estes dois fatores universais, como então alcançá-la. Simples: conhecendo a realidade da compreensão que se tem hoje.
Em qualquer caso das compreensões que se tem hoje (espontânea ou arquitetada) há um ponto em comum. Que ponto é este? Elas são fruto do egoísmo intrínseco presente em todos os seres humanos…
Aí está a compreensão correta dos acontecimentos de nossa existência carnal que podemos alcançar: tudo é só o meu egoísmo em ação…
Sabe o pensamento que lhe diz que determinada pessoa não presta? Ele não é Real, mas apenas fruto da sua ação egoísta… Sabe o pensamento que lhe diz que este texto está certo ou errado, ele não é Real: trata-se apenas do resultado do seu egoísmo…
Nada é o que penso ser, mas tudo que penso ser ou estar vivendo é apenas fruto do meu egoísmo: esta é a compreensão correta que pode nos levar a eliminar o sofrimento. Quando a atingimos, podemos atingir a parcela da Verdade e da Realidade que podemos alcançar: as coisas não são o que dizemos ser, mas apenas falamos isso porque temos compreensões fomentadas pela ação do egoísmo que está intrínseco em nós…
Esta compreensão, que é única para qualquer coisa da vida, já que tudo que se vive é criado da mesma forma (pela mente através do pensamento), é a compreensão correta dos acontecimentos da vida que podemos ter.
Agora, reparem uma coisa: eu não falei em compreender nada, mas apenas em ter a compreensão de que o que imaginamos ser não é. A compreensão correta não é chegar a conclusão alguma, mas apenas concluir que nada poderá saber. A única coisa que posso compreender é que não sei de nada, pois tudo que sei é a mesma coisa: uma compreensão formada com minha tendência egoísta…
De nada adianta se buscar a Realidade e a Verdade, pois para atingirmos estas coisas precisaríamos executar um raciocínio e novamente o egoísmo estaria presente fazendo-nos alcançar uma nova compreensão viciada pela busca do ganhar.
Portanto, o melhor – melhor não no sentido de bom, mas de busca da felicidade – que se tem a dizer, o melhor que se pode concluir é que só sei que nada sei…