Participante: o que o senhor está falando é interessante. Ultimamente eu tenho tentado alterar muitas coisas que acontecem e não consigo.

Exato. O problema de você achar que quer alterar a vida lhe leva a que?

Participante: a estar cansada da vida…

Não.

Participante: ao sofrimento…

Sim, mas que tipo de sofrimento? A incapacidade, o sentir-se incapaz.

O sofrimento por sentir-se incapaz de agir está ligado à culpa. Por conta desta ligação entre os sofrimentos, você sofre mais. Sofre porque se sente incapaz de agir, sofre por querer fazer e não conseguir e sofre a culpa por não ter agido e por estar se deixando levar pela síndrome da aceitação, ou seja, por não ser capaz de superar o incômodo que a sua vida cria.  

Participante: tudo isso porque ela pegou o cachorro.

Não, ela não pegou o cachorro. A vida foi pegar.

Participante: mas, nós achamos que nós pegamos.

Isso.

Participante: então, a raiz desta aflição é achar que nós agimos gerando a vida.

Sim; esta é a síndrome do todo poderoso. Ela é uma forma padrão de ação da vida onde lhe é dito que você tem a capacidade de agir livremente, que pode fazer as ações acontecerem, que você comanda o que vai ocorrer na sua existência.

Participante: isso tudo o senhor já falou, com certeza. Se já ouvimos tudo isso, porque não sabemos que é a vida que age?

Porque não pararam para analisar o que é vida e o que é você. Vocês não pararam para separar o que é vida de vocês. Para se libertar da síndrome do todo poderoso é preciso separar a vida de você.

Não foi você que escolheu este cão. Não foi você quem o trouxe para a sua casa. Também não foi você quem quis tê-lo: tudo isso é vida. Por que o não separar a vida de você lhe leva ao sofrimento? Porque quando existe uma ação e você não faz o que quer ou o que decorre dela lhe causa incômodo, você não age na única hora que pode agir: na hora que conversa com a vida.

O que nós estamos conversando é importante para todo aquele que quer ser feliz nesta vida. Quando a vida lhe trouxer uma proposição mental cobrando que deveria ter agido de uma forma e aquilo não aconteceu ou quando ela lhe cobrar que o sofrimento de agora é resultado de uma ação sua anterior, é preciso separar a vida de você.

Você só conseguirá desqualificar a ideia de que é culpado pela contrariedade que vive quando separar vida de você. Isso porque só desta forma você pode aceitar a vida acontecer como uma peça de teatro. Enquanto não separar a vida de você, irá continuar querendo ser a vida.

Tem uma coisa que nós sempre falamos neste tempo todo, mas não entramos em um detalhe. Por conta disso, vocês não se atentam ao ter que separar a vida de vocês.

Eu disse que a vida é uma grande peça de teatro e que o espírito é o artista que interpreta um personagem. Lembram disso? Só que por confundirem-se com o espírito, vocês ainda se acham os e artistas que dão vida ao personagem. Ou seja, ainda acham que são capazes de viver a vida do personagem, de agir em nome do personagem.

Na verdade, nem o espírito e nem vocês são o artista. Isso porque a peã Divina Comédia Humana é um teatro de fantoches. Não há artistas interpretando papeis.

Na verdade, tanto você, o ser humano que se imagina ser, bem como o espírito está na plateia. Vocês estão assistindo a peça. Ter esta consciência pode lhe facilitar a fazer o trabalho que é preciso para não viver o sofrimento que a vida propõe.

Sentindo-se o artista, você ainda irá querer dar mais emoção ao seu personagem. Irá quere fugir do script para poder valorizar a sua participação na peça. Mas, isso não é possível, pois você está na plateia assistindo um teatro de fantoches. Fantoches que não pensam, não agem a não ser que haja uma movimentação externa que comande a ação.

Esta síndrome é uma das grandes raízes do sofrimento, pois vocês se julgam capazes de agir e por causa deste suposto poder aceitam o sofrimento de não ter feito ou pelo que imaginam ter feito. Por causa dele, ainda, sofrem imaginando que agiram de forma errada ou vivem a glória de ter agido certo.

Ela só é vencida separando vida de você. Entendo o que é ação gerada pela vida e declarando a sua total incapacidade de agir. Entendo o que acontece desta forma, você chega à conclusão: não tem jeito, esta é a vida que você tem que viver. Só isso pode lhe levar a não viver o sofrimento que a vida propõe.

Não tem jeito: o cachorro está aí. A sua vida é ele estar na sua casa. Além disso, a sua vida é ele fazer xixi por todo canto. Digo que esta é a sua vida porque tem muitos cachorros que não fazem isso. A vida sua vida é este xixi fazer fedor. A sua vida é este mau cheiro lhe incomodar. Esta é a sua vida neste momento e ela não pode ser mudada por uma ação sua.

Apesar desta inexorabilidade há uma coisa que pode ser mudada: não aceitar o incômodo que o mau cheiro causa. Isso você pode fazer, mas mudar qualquer outro fator da sua vida, você não pode.

Como se vive esta não aceitação? Dizendo para si mesmo: esta é a vida que eu tenho para mim e não posso mudá-la. Esta é a vida que lhe foi colocada para viver. Se você não consegue agir sobre ela, deixe-a ir embora e espere a próxima vida que virá. Apesar de ter dito tudo isso, ainda lhe digo que se quiser, tente agir acabando o que a vida lhe diz que pode fazer para acabar com o incômodo. Isso não tem problema nenhum. O problema é depois se culpar por não ter agido conforme achava que queria agir.