Tudo que lemos até aqui de O Livro dos Espíritos nos trouxe uma cristalinidade nos ensinamentos. Apesar disso, vocês que já leram estes trechos por diversas vezes, mas não conseguiram entender naquele o momento o que compreendemos agora? Por quê? Porque ler não depende das palavras, mas sim dos olhos que fazem a leitura.
Como olhos de ler, estou falando do que é usado para compreensão. Se você lê a partir de um prisma, encontrará um texto; se lê com outro, encontrará verdades diferentes.


A situação dolorosa será motivo de sofrimento enquanto vocês se sentirem humanos, enquanto estiverem apegados ao bom. No momento em que tentarem se libertar do bom, a situação dolorosa não mais será encarada com sofrimento.
Portanto, para aqueles que me perguntam se o que foi conversado por nós hoje pode melhorar suas vidas, eu respondo que sim. Isso dependerá, claro, dos olhos que usarem para ler os ensinamentos do Espírito da Verdade ou de qualquer outro mestre. Se continuarem a querer ganhar humanamente falando não conseguirão realizar-se e os textos continuarão opacos. Mas, se libertarem-se deste anseio, a cristalinidade dos ensinamentos pode levá-los a não ter dor.
Vocês dizem que querem se libertar do sofrimento. Este é o único caminho que conheço. Coloquem-no em prática… Mesmo assim, ainda acredito que para vocês será muito difícil colocar em prática aquilo que falamos, pois no íntimo, apesar de dizerem que apenas querem parar de sofrer, vocês querem mesmo é ganhar alguma coisa.
Não querer ganhar: eis aí o grande diferencial para quem consegue aproveitar esta encarnação fazendo a reforma íntima. O ser universal não faz nada motivado pela possibilidade de ganhar alguma coisa.
Pelo que lemos até agora, aparentemente há um ganhar nesta história de promover a reforma íntima. Ele é representado pela felicidade que o espírito antevê que receberá no mundo espiritual. Sim, ele receberá esta felicidade se conseguir aproveitar a oportunidade da encarnação, mas não é isso que o move a realizar o processo da reforma íntima.
Ouça este trecho da pergunta 266 de O Livro dos Espíritos e veja o que motiva o ser espiritual na promoção da sua reforma íntima:


“Divisam a meta, que bem diferente é para eles dos gozos fugitivos do mundo. Após cada existência, veem o passo que deram e compreendem o que ainda lhes falta em pureza para atingirem aquela meta. Daí o se submeterem voluntariamente a todas as vicissitudes da vida corpórea, solicitando as que possam fazer que a alcancem mais presto”.


A questão do ser traçar uma meta para a sua encarnação já vimos. A questão dele depois de libertar-se da mente compreender o que falta ser feito e pedir uma encarnação que o ajude a rapidamente alcançar o que imagina ser preciso, também já vimos. Mas, neste texto tem uma informação muito importante que vai nos levar a compreender a motivação do ser universal a realizar a reforma íntima: “daí o submeterem-se voluntariamente as vicissitudes corpóreas”…
O que é voluntariar-se? É oferecer-se para fazer alguma coisa. Quem se torna voluntário para alguma coisa, compromete-se a realizar o que precisa ser feito. Quem se voluntaria assume um compromisso de que realizará aquilo que foi pedido.
Aí está o que motiva o espírito na realização da elevação espiritual: o compromisso que assumiu com ele mesmo, com Deus e com todo mundo espiritual de que daria cabo da missão a que se ofereceu. O ser universal não faz apenas para ganhar, não faz porque sabe o que poderá receber quando voltar à sua pátria, mas sim, usando a definição que vocês dão a quem honra seus compromissos, é um homem de palavra. O espírito faz o processo de reforma íntima porque se apalavrou com Deus e com o mundo espiritual que olvidaria todos os esforços neste sentido.
Esta visão muda muito o que conversamos até aqui, dá mais valor ainda a questão do abrir mão do bom para atingir o bem. Saber que o espírito não encarna para viver determinados acontecimentos por acaso ou para ganhar alguma coisa, mas sim com o compromisso de fazer um determinado trabalho dá mais força ainda para a realização, já que se trata de uma questão de honra e não simplesmente fazer para ganhar.
Sei que muitos acham que a vida humana é preparada por Deus dentro da visão Dele do que deve ser feito, mas isso não é real.


“258 a. Não é Deus, então, quem lhe impõe as tribulações da vida, como castigo? Nada ocorre sem a permissão de Deus, porquanto foi Deus quem estabeleceu todas as leis que regem o Universo. Ide agora perguntar por que decretou Ele esta lei e não aquela. Dando ao Espírito a liberdade de escolher, Deus lhe deixa a inteira responsabilidade de seus atos e consequências que estes tiverem”.


Deus não impõe nada ao espírito. É ele que se voluntaria para vivenciar determinadas situações, como fica bem claro na continuação da resposta da pergunta 258 a.


“Se um perigo vos ameaça, não fostes vós quem o criou e sim Deus. Vosso, porém, foi o desejo de a ele vos expordes, por verdes visto nisso um meio de progredirdes, e Deus, o permitiu”.


É o espírito que se voluntaria para passar por determinadas situações e não Deus que as impõe a ele. Quando se oferece desta forma, tacitamente o espírito assume o compromisso de aproveitá-la. Com isso gera para si uma questão de honra.


Participante: até compreendo o que o senhor fala, mas este compromisso está apenas na mente do espírito e não na nossa. Como temos o véu do esquecimento não nos lembramos dos compromissos assumidos antes da encarnação.


Esqueça esta questão do véu do esquecimento, pois se você não se lembrava do compromisso que assumiu antes da encarnação, acabou de ser lembrada. Ao ouvir tudo o que falei até agora, você acabou de ser lembrada que foi voluntária e assim não pode mais legar que não sabia…
Quando falo sobre a premeditação dos acontecimentos da vida as pessoas normalmente entendem que tem que passar por aquilo, mas isso não é real. O espírito não tem que passar por nada: ele se oferece para passar por determinadas situações. Quando se entra em contato com este trecho da resposta, o vivenciar situações pré-concebidas não mais se torna uma obrigação, mas uma questão de oferecimento para vivê-las e o compromisso de aproveitar aquela oportunidade para a realização de um trabalho.
Isso se aplica a todas as situações, sejam elas consideradas ruins ou boas pelos humanos. Por exemplo, a mulher que é traída por seu marido nesta encarnação vive esta situação porque aquele espírito antes da encarnação se voluntariou para ser traído. Aquela que apanha do marido também se ofereceu voluntariamente para isso. Compete ao espírito que se voluntariou a isso neste momento honrar seu compromisso e vivenciar esta situação sem ranger de dentes.


Participante: mas, ela tem que viver o resto da vida apanhando?


Não, só enquanto viver apanhando. Se por força dos maus tratos que recebe ela conseguir se separar, foi para isso que o espírito se voluntariou. Se depois de separado ela conseguir estancar as agressões, foi para isso que se voluntariou; se não estancar, esta foi a voluntariedade do ser.
Tudo o que acontece não é porque agora o ser humanizado agiu desta ou daquela forma, mas sim acontecimentos aos quais o ser se voluntariou antes da encarnação. Eles serão vividos, pois se Deus não os desse, estaria indo contra a aprovação que ele deu ao compromisso que o espírito assumiu.
Sendo assim, os acontecimentos seguem o destino pré-traçado conforme o pedido pelo espírito que foi corroborado com a aprovação de Deus e tornou-se o plano de encarnação daquele ser. Por isso o fato da mulher que apanha separar-se ou não, conseguir estancar as agressões ou não, não tem a menor importância. O que importa é como o espírito vivencia aquilo que acontece. Se ela vivencia a agressão acusando o marido não honra aquilo que se comprometeu antes da encarnação: aproveitar a vida material para ligar-se ao bem ao invés de vivenciar os acontecimentos querendo o bom.
A mulher que apanha ou é traída pode fazer o que fizer (separar-se, perdoar, etc.) que isso não afetará em nada a oportunidade da encarnação. Só não pode é acusar o marido de qualquer coisa, pois ele não está agindo por vontade própria, mas sim como instrumento da prova ao qual o espírito se voluntariou para passar.
A vida está aí para provar que nem sempre existe um padrão de acontecimentos. Nem todas as mulheres que apanham separam, nem todas que são traídas acabam com seus relacionamentos. Tem mulheres que são traídas constantemente tendo consciência disso e outras que são espancadas diuturnamente e não conseguem se afastar dos seus agressores. Por que isso acontece? Porque os espíritos que estão vivendo aquelas encarnações não foram voluntários para a separação. Foram voluntários para serem traídos e apanharem a vida inteira.
Por causa dessa voluntariedade, então, viver a situação apegado ao bem, ou seja, libertando-se do bom (o sofrimento, a acusação) é uma questão de honra para o espírito.