De princípio digo logo: não-sofrimento não quer dizer não sofrer. O estado de não-sofrimento existe quando se aprende a sofrer de uma forma diferenciada.
O trabalho que se faz em busca do estado de não-sofrimento não acaba com o sofrimento. O sofrimento durante a vida de cada um continuará existindo para quem está buscando ou consegue vivenciar o estado de não-sofrimento. Só que quem alcança este estado, passa a vivenciar o sofrimento que a vida traz de uma forma diferente de quem não alcança…
Por isso, quero deixar bem claro logo no princípio desta conversa: a prática do não-sofrimento não leva ao fim do sofrimento durante a vida, mas a uma forma diferenciada de vivenciar os momentos não felizes.
Preparando-me para esta conversa me lembrei de uma história de Chico Xavier que ilustra bem isso. Chico contava que estava em um avião que enfrentava grande turbulência e os passageiros entraram em desespero gritando e chorando. Ele, vendo tudo isso acontecer, também começou a gritar e chorar alto. No meio de toda esta algazarra, o médium mineiro vê a figura de seu protetor espiritual entrando no avião e caminhando para ele.
Ao chegar junto ao Chico, Emmanuel pergunta: ‘O que está havendo?’ Chico responde: ‘O avião vai cair…’ Mais uma vez o mentor espiritual pergunta: ‘E daí?’ O médium mineiro sem compreender o que o mentor estava lhe dizendo responde: ‘Ora, todos nós vamos morrer…’ Emmanuel, então lhe transmite o ensinamento: ‘Está certo, você vai morrer se o avião cair, mas pelo menos morra com dignidade. Por isso, não fique gritando nos meus ouvidos…’
O estado do não-sofrimento corresponde exatamente a isso: aprender a passar pelos momentos de sofrimento com dignidade, ao invés de passá-los chorando, gritando, praguejando contra Deus e o mundo, sentindo-se a vítima ou o coitadinho. Esta é a diferença do não-sofrimento para o sofrimento.
Aquele que sofre e aquele que vivencia o não-sofrimento compreende mentalmente as coisas do mesmo jeito, só que um age no momento do sofrer estancando o sofrimento enquanto o outro se entrega ao sofrer e vivencia o sofrimento.
O sofrer é criado por um pensamento. No exemplo do Chico Xavier ele se caracteriza pela informação ‘o avião vai cair e todos vão morrer’. Só depois deste momento é que começa o sofrimento. Ele se caracteriza pelos pensamentos fundamentados em lástimas, em reclamações sobre a realidade que está se vivenciando, pelo praguejar contra Deus, o mundo e os outros. O sofrimento, também, sempre vem acompanhado de nervosismo, stress…
Este é o sofrimento que vem depois do sofrer e que o estado de não-sofrimento elimina, pois quem o vivencia passa a encarar com dignidade o seu sofrer. O não-sofrimento, portanto, consiste em não entrar na roda do sofrimento que vem depois do sofrer.
O sofrer acontece quando os desejos dos seres humanos entram em desacordo com o que está acontecendo com o mundo, quando o ser não está afinado com o mundo. Este é o sofrer. Já o sofrimento nasce depois disso. Ele existe quando a mente cria pensamentos que dizem que o mundo não poderia estar assim, que ele está errado por estar deste jeito, que o ser humano precisa fazer alguma coisa para mudar o mundo (pessoas, acontecimentos e objetos). É o pensamento que afirma que é preciso brigar com o mundo, agredi-lo ou mudá-lo.
Portanto o sofrer vem primeiro e o sofrimento vem depois. É esta segunda etapa do vivenciar um acontecimento que o não-sofrimento leva o ser humano a não viver.