O bom atrapalha o bem, ou seja, os padrões de normalidade que a mente cria atrapalham a opção pelo que é espiritual, já que eles embutem uma aprovação tácita do que é expresso através do pensamento. Mas, como separar o bom do bem? Reconhecer que ele é só bom, ou seja, serve apenas para os propósitos humanos. Aí está a dificuldade do espírita ou espiritualista.


A mente justifica o bom. Ela cria motivações para que o ser humanizado aceite o que ela fala como bem. No caso dos alimentos que conversamos, a mente dos espíritas e espiritualistas afirmam que a ação de alimentar-se de determinados alimentos é ação de quem busca a elevação espiritual (do bem) quando não é.


Participante: Mas, há nos meios espíritas a ideia de que o ser humanizado deve preservar o corpo humano.


Sim, eu sei que existe esta ideia, mas ela não é importante para a elevação espiritual. A crença nesta afirmação só existe para aqueles que acreditam que há algo humano ou sagrado no mundo humano. Como quebrar essa crença? Conhecendo a realidade do ser humano…
Para poder falar sobre o assunto temos que conhecer a realidade universal do ser humano. Para isso tenho que lhes contar uma história.
O espírito vivia no mundo espiritual superior tranquilamente. Lá podia fazer de tudo, menos comer do fruto de uma determinada árvore. Apesar de orientados por Deus neste sentido ele comeu deste fruto. Fez isso porque queria ter a capacidade de perceber as coisas e definir o que é bem do que é mal. Quando o Pai constatou que isso aconteceu deu, então, o castigo a este ser: você vai viver no mundo onde se nasce e morre.
Esta história já é velha conhecida de vocês, não é mesmo? É a história de Adão e Eva como está no livro Gênesis da Bíblia Sagrada.
Pois bem, pergunto a vocês que se consideram espíritos: vocês estão no mundo espiritual superior ou num mundo onde se nasce e morre? Imaginam possuir a capacidade de perceber coisas (saber o que está acontecendo) e de definir se estas são bem ou mal? Então vocês estão vivendo o castigo que Deus deu ao espírito que não cumpriu a sua orientação. Tornar-se humano é viver o castigo que o espírito recebeu por não ter seguido a orientação primária que Deus deu ao seu filho.
Sendo assim, o ser humano é o castigo que Deus dá ao espírito. No entanto, vocês acreditam que este ser é o filho de Deus. Por isso acreditam que são sublimes, puros, etc. Por isso acreditam que o bom que a mente cria é o bem.
A partir deste raciocínio lhe pergunto: você continua acreditando que o corpo humano é tão sublime que precisa ser conservado? O corpo humano nada tem de sublime: ele é o instrumento do castigo daquele que quer conhecer o que é bem e o que é mal.
No ser humano não há nada sublime, senão a oportunidade da encarnação. Esta independe da condição do corpo humano. Ao contrário: ela adéqua o corpo de acordo com a necessidade do espírito, ou seja, de acordo com o gênero de provas que cada um pede. Se para atender aquilo que foi pedido o corpo precisar perder uma parte, adoecer ou até apodrecer, a encarnação fará isso acontecer e nenhum dos seus esforços para que não aconteça terá efeito.
Aqui na Terra não existe nada santo: tudo é instrumento à disposição do ser universal que está sendo castigado. Por isso pouco importa se o corpo está preservado ou degenerado, isso não faz diferença com relação ao mundo espiritual.
Chamo a vida humana de castigo porque é este o termo que está na Bíblia e que pode lhes ajudar para despertar na luta entre o bom e o bem, mas não creio nele. Não acredito numa penalidade que o Pai impõe aos seus filhos, mas sim numa nova oportunidade de elevação espiritual. Ter uma mente que cria o bom não é um castigo propriamente dito para o ser universal, mas sim uma oportunidade de libertar-se disso e viver apenas do bem.
Na verdade o termo castigo não interfere nada no que estou tentando mostrar. O importante é saber que nos elementos humanos deste mundo não existem nada de sublime. Os seres humanos não são filhos de Deus, mas os anjos caídos.
Para quem não conhece este termo, ele é bíblico. Anjos caídos na Bíblia Sagrada são os seres universais que um dia participaram de uma revolução contra os desígnios de Deus por se acharem mais capazes que Ele de conhecer o bem e o mal. Como penalidade para estes anjos, o Pai os enviou para a Terra.
O bom que a mente cria é contrário aos desígnios de Deus porque quando ele não ocorre é gerada uma contrariedade. Sempre que um bom humano não consegue vivenciar acontecimentos que contemplem um desejo que a mente cria para determinados acontecimentos da vida, ele sofre e se contraria. Se estes acontecimentos fazem parte da provação do Espírito, eles são o bem. Contrariar-se na vivência deles é, portanto, ser contra os desígnios de Deus.
A compreensão do bem e do bom no tocante a essência do ser humano é importante para aquele que quer aproveitar a oportunidade da encarnação. Imaginando que a humanidade que se vive neste mundo é o filho de Deus e que qualquer coisa neste mundo possa ser sagrada, o ser humanizado ainda imaginará que o Pai vai sempre protegerá seus interesses humanos e que haverá modo ou instrumento de protegê-los. Imaginando isso, não fará nada em favor dos seus interesses espirituais. Agirá unicamente em prol dos interesses humanos, já que para este ser a humanidade contém coisas santas ou sagradas.
Ter a plena consciência de que a humanidade que vive momentaneamente atende apenas ao bom e não ao bem é o início para qualquer processo de reforma íntima. Isso porque o ser humanizado só irá buscar o que é espiritual quando se desiludir com o material. Enquanto tratar qualquer coisa do mundo material como santo ou sagrado, mesmo que normalmente a mente diga que é, não conseguirá abrir mão do bom.
Por causa desta confusão do bem e do bom no sentido do conhecimento sobre o que é o mundo espiritual e o que é importante para o espírito, o ser humanizado acaba aceitando a criação que a mente faz para as coisas do mundo espiritual. Aceita, por exemplo, o mundo espiritual criado pela mente humana onde existem o umbral e as cidades espirituais. Mas, estas coisas não existem por lá. Elas são apenas uma criação mental e não uma realidade.


“1012. Haverá no Universo lugares circunscritos para as penas e gozos dos Espíritos, segundo seus merecimentos? Já respondemos a esta pergunta. As penas e os gozos são inerentes ao grau de perfeição dos Espíritos. Cada um tira de si mesmo o princípio de sua felicidade ou de sua desgraça. E, como eles estão por toda parte, nenhum lugar circunscrito ou fechado existe especialmente destinado a uma ou outra coisa”.


Ouvindo este trecho de O Livro dos Espíritos, você ainda continua acreditando que existe um lugar circunscrito chamado umbral onde os espíritos gozam a pena pelo que fizeram quando encarnados? Ainda acredita que existam cidades espirituais para onde vão os que merecem gozar algo diferente?
A própria literatura espírita afirma que estes lugares são plasmados. O que é plasmar? Dar a forma de, modelar… Qual o instrumento que o espírito usa para dar a forma de umbral a um trecho do Universo? A mente… O umbral e a cidade espiritual, portanto, são criações da mente de espíritos e, por isso só existem dentro delas e não fora. Mas, será que todos os espíritos modelam o Universo da mesma forma?
A modelagem que o espírito dá a um lugar do Universo em sua mente depende do que ela diz ser este lugar. Se é a mente que cria, ela criará um lugar de acordo com suas próprias crenças. Os seres humanizados que saem da carne presos a uma mente que acredita nos ensinamentos do profeta Maomé irão viver numa tenda onde existem quarenta virgens para cada homem. Viverão isso porque é nisso que dizem acreditar. Os cristãos viverão o paraíso ou o inferno e a forma ilusória que terá o trecho do Universo em que estiverem será aquela que as suas mentes acreditavam antes de desencarnar: um jardim ou o fogo eterno. Os budistas viverão um lugar que será idêntico à descrição que a doutrina budista faz dele.
Sendo assim, as cidades espirituais e o umbral só existem para os espíritas. Melhor: só existem para os seres que acreditam que os ensinamentos da doutrina espírita estão certos, representam o bom. Eles não existem de verdade, mas apenas para aqueles que acreditaram nisso como verdade ou realidade.
Você espírita ou espiritualista é capaz de lutar contra a ideia da existência destes lugares? Sim, mas só quando souber que nelas não existe o certo, o bem. Só quando entender que elas apenas representam o bom, ou seja, lugares que atendem aos anseios humanos que a mente cria.
Quando falo tudo isso, não estou querendo dizer que estas convicções estão erradas. Reconheço que elas são necessárias, pois se criam o bom, servem de instrumento para que haja a opção entre isto e o bem. Mas, para aquele que quer realmente aproveitar a oportunidade da encarnação, é preciso ter bem claro que este mundo não representa nada de espiritual, que lá não vivem seres perfeitamente integrados ao Universo, mas apenas espíritos ainda humanizados, ainda presos ao bom.
Sim, nestes lugares não existem espíritos perfeitamente integrados ao Universo, pois o bem não está presente. Eles vivem presos ao bom humano e por isso podemos dizer que são espíritos humanizados sem carne, espíritos que acreditam numa mente humana, mesmo que não haja uma carne. Isso fica bem claro quando lemos um romance espírita onde se lê que o ser desencarnado ainda se emociona quando encontra uma violeta na janela do cômodo da cidade espiritual em que está.
Ora, se dissemos que o ser exposto a uma mente humana nada tem de santo ou sagrado, aqueles que estão expostos a ela, mesmo sem carne, também não podem ter nada disso. A partir daí devemos concluir que também não se pode acreditar nestes adjetivos que a mente cria para os habitantes de tais mundos. Ou seja, a crença de que não se lida com nada santo ou sagrado não deve pertencer apenas às coisas deste mundo que a mente adjetiva como tal, mas também aquilo que ela afirma existir no mundo espiritual. Enquanto um ser viver ligado a uma mente humanizada, ou seja, trabalhe a partir do eu, ele não terá nada de santo, mas ainda se configurará num anjo caído.
Enquanto um ser viver ligado ao certo que uma mente humana diz que é, com carne ou sem carne, será um anjo caído e terá que trabalhar-se para poder se elevar. Isso é assim, porque como nos está ensinando o Espírito da Verdade, o que o ser humano acha certo não é aquilo que o espírito vê como tal.