Logia 060 – Evangelho Apócrifo de Tomé – Doação da razão (2)
“060. Eles viram um samaritano carregando um cordeiro a caminho da Judéia. Ele disse a seus discípulos: Por que este homem leva o cordeiro consigo? Eles responderam: Para matá-lo e comê-lo. Ele lhes disse: Enquanto ele estiver vivo, não o comerá; somente quando o tiver matado e ele for um cadáver. Disseram-lhe eles: De outra forma, ele não o conseguiria. Disse-lhes ele: Buscai um lugar para vós no Repouso; porém, só se vos tornardes cadáveres e fordes comido”.
“Enquanto ele estiver vivo, não o comerá”
Apesar da história ser bem clara com a citação do cordeiro e do samaritano, sabemos que Jesus deixou seus ensinamentos através de parábolas. Estamos, pois, frente a mais uma que não foi descrita pelos evangelistas da Bíblia.
Todos os ensinamentos do Mestre, como vimos até agora, direcionaram-se ao relacionamento dos espíritos, ou seja, de como eles devem se relacionar para viverem uma vida espiritual na carne. Portanto, é nesta direção que buscaremos entender este ensinamento.
O verbo “comer”, nos ensinamentos de Tomé, já foi por muitas vezes utilizado no sentido de acabar, eliminar, exterminar.
Aplicando-se este mesmo sentido ao trecho aqui estudado, veremos que Jesus quis dizer que, enquanto uma pessoa estiver viva, ela não poderá ser exterminada. Isto ocorre porque o vivo ainda tem capacidade de reação. É preciso eliminar a capacidade de reação de uma pessoa para que a exterminemos.
Voltando à base dos ensinamentos de Jesus, conseguiremos entender o ensinamento. Todos os relacionamentos entre os seres humanos são pontilhados pela discordância, desde pequenas diferenças de opiniões até posições completamente antagônicas.
Os relacionamentos são marcados pela diversidade de opiniões. Isto ocorre porque não existem dois seres humanos que possuem o conjunto de seus conceitos idênticos.
Assim, quando as pessoas se relacionam e as divergências aparecem, sempre uma quer provar à outra que ela está com a razão naquele assunto e afirma que a outra está errada. Uma tese é desenvolvida, aparecem os motivos para comprovar a razão e, desta maneira, uma procura acabar com as certezas da outra, buscando impor as suas.
É a esta forma de proceder que Jesus se reporta neste trecho. O ser humano busca eliminar todos os conhecimentos do seu antagonista para que ele não possa reagir, para que ele não possa impor a “verdade” dele.
“somente quando o tiver matado e ele for um cadáver”
Podemos afirmar que um ser humano é conhecido pelos atos que pratica. Quando queremos descrever uma pessoa, dizemos que ela é pacata, é honesta, é inteligente, ou seja, que ela pratica atos que refletem estes sentimentos. Se os atos, como já vimos, são originados nas “verdades pessoais” (conceitos) de cada um, podemos dizer que uma pessoa é os seus conceitos.
Para todos os atos que pratica, o ser humano possui argumentos (verdades pessoais) que justificam sua vida. Um ladrão rouba porque não tem emprego, porque tem que sustentar sua família, porque não teve chance de estudar, e, aparentemente, seus argumentos mostram que ele não tem outra saída: é preciso roubar.
Desta forma, o roubo para quem o pratica é certo, ou seja, plenamente justificado pelos seus “argumentos”. Não estamos falando de lei material (civil ou penal), mas daquele “código” pessoal que determina o que pode ou não ser feito, mesmo que fira a lei dos homens.
Sendo assim, o “erro”, para o ladrão, não existe, mas sim está apenas em quem vê o erro, e não em quem pratica. Quando uma pessoa aponta erro em outra, está transferindo os seus “conceitos” para os outros.
Ao se alterar os conceitos de uma pessoa, estaremos matando-a, pois, com essa mudança, ela deixará de ser ela mesma e será uma nova pessoa.
Por isto, Jesus afirma que, para se exterminar uma pessoa (“comê-la”), é necessário que antes a matemos, ou seja, para eliminá-la, é preciso alterar os seus conceitos; isso se faz apontando erros nos atos que ela pratica.
“De outra forma, ele não o conseguiria”.
Sem que se aponte o erro de uma pessoa, é impossível alterar os seus atos. No entanto, aquele que age desta forma reclama para si o direito de ser o “dono da verdade”, ou seja, o comandante da vida dos outros.
O ser humano não tem a capacidade para assumir esta posição, pois não possui os atributos necessários para tanto. Para que alguém possa exercer a função de Comandante do Universo, é necessário que possua a Inteligência Superior e, com ela, pratique a Justiça Perfeita com o Amor Sublime. Aquele que busca para si esta posição fere o amor a Deus, ou seja, não O reconhece como a Perfeição do Universo.
É este conhecimento que Jesus nos repassa nesta parábola. Matar para comer, ou seja, apontar erros para alterar os conceitos dos outros seres humanos é usurpar o direito exclusivo de Deus.
A estes espíritos, Jesus avisou: “com a mesma medida que medires, serás medido”.
Aqueles que se julgam com o direito de julgar os atos dos outros serão julgados por Deus.
“Buscai um lugar para vós no Repouso; porém, só se vos tornardes cadáveres e fordes comido”
Para que o espírito entre no reino do céu (felicidade universal), é preciso que ele se deixe ser comido, ou seja, deixe sempre o outro ter “razão”. Gozar da felicidade universal é não discordar dos atos dos outros, não ver erros em nada que os outros façam.
O espírito reconhece o verdadeiro Comandante dos atos humanos: Deus. E, por esta origem, sabe que todas as coisas são perfeitas. Pela sua fé, sabe que todos os acontecimentos dos quais participa são administrados pelo Pai e, se foram praticados na sua presença, é porque você precisa e merece que aquilo esteja ocorrendo. O espírito compreende que os encarnados e os desencarnados auxiliam, mesmo sem saber, a Deus na Sua obra, servindo como “sal para a humanidade”.
Aquele que goza da felicidade universal (espírito) não aponta erros em nenhuma atitude de seu irmão, pois tem a plena convicção de que os acontecimentos da vida são ensinamentos de Deus e busca entender o ensinamento que o Pai está passando através de outro espírito.
Para isso, porém, tem que doar a razão, ou seja, tem que permitir que o outro se considere certo. Se o ladrão consegue assaltá-lo, o espírito não deve acusá-lo, mas doar a razão a ele, não sofrendo com a perda de bens materiais, mas sim reconhecendo que Deus utilizou aquele espírito para “falar” com ele.
Doar a razão é não se contrapor aos argumentos dos outros, até sobre o próprio espírito. Ao invés de querer provar aos outros o que é, o espírito deve aceitar os argumentos dos outros (doar a razão) e buscar raciocinar o que Deus quis dizer com aquelas palavras ditas pelo outro.
Ao doar a razão, o ser humano que aparentemente perdeu, na verdade ganhou, pois, ouviu o ensinamento que o Pai repassou para a sua vida. Ele estará “morto” e será “comido”, mas gozará da felicidade universal, pois alcançará a sua evolução espiritual.
A felicidade de um não pode ser alcançada com a infelicidade de outro. O espírito que doa a razão por causa da sua fé em Deus vive feliz porque alcança a sua evolução e quem recebe a razão também fica feliz porque se imagina “vencedor”. Esta é a felicidade universal: quando todos mantêm a sua alegria.
Quem acha “perde”, quem perde “acha”. Aquele que acha que tem a razão perde a Deus e aquele que perde a razão encontra Deus, pois quem mantém a razão sempre está satisfazendo seus próprios conceitos, suas verdades.
Buda Guatama nos ensinou que, para sermos quem somos (espíritos), devemos deixar de ser quem somos (seres humanos). Para sermos espíritos, é preciso ouvir os ensinamentos de Deus para acabar com nossos conceitos, pois, enquanto eles forem utilizados para “julgar” os outros, não nos desfaremos deles.