14. Ó filho de Kunti, as noções que tens a respeito do quente e do frio, do prazer e da dor, essas nascem do contato dos sentidos com os objetos; tudo isso tem origem e fim e em verdade, são aparências transitórias. Suporta isso com equanimidade, ó Bhârata! (Bhagavad Gita)

O que é o mundo para os seres humanos?

Participante: aquilo que consegue perceber através das suas percepções.

Sim, o mundo para o ser humano nada mais é do que aquilo que percebe através dos sentidos. Uma cadeira, para o ser humanizado é o que ele vê, cheira, prova o sabor, ouve ou sente pelo corpo.

Só que na verdade, uma cadeira não existe. O que existe é um conjunto de percepções que o ser humano chama de cadeira. Esse conjunto é formado pela forma, sensações, ou seja, pelo que se sente frente a cadeira, percepções dos órgãos dos sentidos, formações mentais, o raciocínio, e também pela consciência, ou seja, pelo que fica armazenado na memória à respeito desse elemento.

É dessas cinco coisas, que Buda chama de ‘Cinco Agregados’, que o mundo se forma para o ser humano. Mas, o mundo não é isto.

Tenho feito muito esse teste. Pegue o seu braço. Quando falo isso normalmente as pessoas põem a mão em cima do braço. Mas, colocar a mão em cima do braço não é pegá-lo, mas causar uma percepção: perceber o braço.

Tente pegar o braço sem colocar a mão em cima nele. Consegue? Não. Sabe porquê? Porque o braço não é um braço. O que existe é uma percepção de haver um braço.

O braço não existe: o que existe é percepção de haver um braço.

Deixe-me dar um exemplo melhor. Já repararam que a pessoa surda também é muda? Não é muda porque não sabe falar, mas sim porque não conhece o som, porque nunca percebeu um som.

O som que você ouve é uma percepção e não uma realidade. O som que você ouve não é real: é alguma coisa que você percebe através dos cinco agregados. Se uma pessoa jamais ouvir o som de uma voz, jamais pronunciará palavras.

Se uma pessoa for cega e não tiver sensações pelo corpo (tato), jamais saberá o que é um corpo. Ela não acreditará que tenha um braço, porque nunca o percebeu.

Você só sabe que tem braços porque os percebe. Se não tivesse tato nem visão, não saberia que tem braços. 

Ficou bem claro que o mundo não existe, mas que é resultado de percepções que o ser humanizado tem? Pois bem, a partir do momento que compreender isso, pode, então, trabalhar as suas percepções.

Enquanto achar que um braço é um braço, não poderá mudar as ideias sobre ele. Quando compreender que um braço não existe, mas que se trata apenas de uma percepção, poderá alterar as ideias sobre ele. 

Krishna nos ensina nesse trecho: as percepções que se tem sobre as coisas são passageiras. Hoje tem uma percepção sobre alguma coisa, amanhã poderá ter outra.

Isto ocorre porque a percepção é dada por Deus. É Ele que diz, através da razão, o que perceber através dos órgãos dos sentidos.

Cantamos um ponto nas giras de umbanda que diz assim: ‘filho de Umbanda quando está no Reino que o vento venta e que a chuva molha, não tem querer’. Ele fala de um mundo há percepções: o ventar e o molhar.

O vento ventar não existe: é só uma percepção. Por isso, quando nesse ponto se fala de um mundo onde o vento venta, se fala de um local onde existe a percepção disso acontecer.

 A água não molha. O molhar da água não existe. O que há é a percepção de estar molhado. Se o ser não tiver sensação pelo corpo jamais sentirá a sensação de estar molhado. Sendo assim, quando no ponto se fala de um mundo onde a água molha, está se falando de um lugar onde há a sensação de estar molhado.

Vocês conhecem um lugar onde existe a sensação que o vento venta e que a chuva molha? Claro, a Terra. Então, o que o ponto quer dizer é que o filho de Umbanda que está na Terra não tem querer: precisa trabalhar mediunicamente.

Voltando a falar do ensinamento, pergunto: porque é importante saber que esse é apenas um mundo percebido? A resposta está na segunda parte do ensinamento de Krishna: viva de forma equânime com as suas percepções. Vou falar sobre isso.

Destruir as percepções não é deixar de tê-las. Enquanto humanizado o ser não poderá, por exemplo, deixar de sentir frio. O que pode é, a partir do momento que entender que o frio é apenas uma percepção, vivenciá-lo com equanimidade.

Conseguindo isso, passará pelo frio que está sentindo, sem morrer de frio; passará pelo calor, sem morrer de calor. Passará pelo calor sem desejar o frio e vice-versa. Com isso poderá estar em paz e harmonizado com o que tem. Nesse momento não sofrerá.

O problema das percepções, com relação à elevação espiritual, não está em tê-las, mas na vivência sentimental ligadas as incontáveis sensações que o ego cria para incitar o ser constantemente na busca desenfreada do prazer.

Tem hora que se molhar é muito bom, mas em outros momentos é ruim, diz o ego. Quando está calor quer molhar-se, mas porque quer isso? Para ter o prazer de se refrescar.

O que é se refrescar? Uma percepção. A sensação de se refrescar é uma percepção e não uma realidade. Ninguém se refresca: tem a percepção de estar refrescado.

Viu, o ego cria o calor para induzir o ser humanizado a comprometer-se sentimentalmente com a busca do refresco. Conseguindo, ele tem o prazer; não conseguindo, sofre.

O ser humanizado precisar viver a percepção da água sobre o corpo para sentir-se refrescado. O espírito não precisa se molhar, mas o ego cria a ideia de precisar para poder liberar a sensação de frescor e a de prazer.

Na hora que você aprender a controlar a vivência das suas percepções, mesmo que o calor suja, por estar ligado ao espírito, não precisará da água para se sentir refrescado.

Participante: o corpo é um elemento do carma, por isso precisamos conservá-lo. Se eu pegar a minha mão e colocá-la sobre o fogo, irá se queimar. Se não ligar para esta sensação, estarei destruindo o corpo que preciso para ter carma. Como então desprezar as sensações?

Você não preserva corpo algum. Onde está Deus no seu raciocínio?

Participante: mas, se eu puser o dedo no fogo …

Você não coloca dedo algum em nenhum lugar. Se o dedo for colocado em algum lugar, foi Deus quem fez isto. Quando faz, está gerando o seu carma.

Se isso é verdade, você não pode preservar ou destruir corpo algum. A preservação ou mutilação não depende de você. Além do mais, não pode queimar ou deixar de queimar o dedo. Quantas pessoas queimam o dedo sem perceber o que estão fazendo?

Essa é a primeira questão a respeito da sua pergunta, mas há outros tópicos a se falar.

Será que colocar a mão sobre o fogo queima? Desculpe, mas tem hindu que anda sobre o fogo com os pés descalços e não se queima. Não estou falando em não sentir dor, mas, em não queimar a pele e não fazer bolhas.

A ciência não consegue explicar esse fenômeno. Sabe por quê? Porque a ferida e as bolhas não são feitas pelo fogo, mas surge da mente da personalidade humana que o espírito está ligado.

Então veja. Concordo que tem que preservar esse corpo, mas precisa compreender que a melhor preservação começa quando se vence o carma e não quando se cuida dele fisicamente.

Como Cristo ensinou, viemos aqui para vencer o mundo. Se esse é suas percepções, posso dizer que você vem aqui para vencê-las e não entregar-se a elas.

Só que essa vitória nem você nem nenhum outro espírito encarnado conseguirá por si mesmo: Deus dará. Os seres humanos não conseguem nada.

Será Deus que dará a vitória sobre as percepções. Quando fará isso?

Participante: quando tiver o merecimento.

Certo.

Quando terá esse merecimento? Quando fizer o que Krishna ensina: tratar com equanimidade as diversas percepções que tem.

Deus lhe dará percepção de frio, mas você não deve vivê-lo morrendo de frio. Viver assim não é ser equânime, não é alcançar o caminho do meio, não é estar equilibrado.

Vivenciar o frio ‘morrendo de frio’ não é harmonizar-se nem estar em paz. É entregar-se ao mundo, servir à materialidade. Para servir a Deus compete sentir o frio que Ele cria, mas, manter-se ao mesmo tempo equânime.

Como manter-se equânime com o frio? ‘Estou com frio. Se conseguir vestir um casaco, ótimo, mas se não conseguir, ótimo também. Em nenhum momento vou reclamar do frio, pois ele é dado por Deus’. 

Esse é o trabalho que o espírito pode fazer: sentimental. Para aquele que busca não viver o frio e o calor sem desacordo com o que é percebido, Deus dá a paz e a harmonia com a percepção.

Portanto, não queira não sentir frio e nem sofra ao senti-lo. Não queira não sentir o calor, mas também não se entregue a sensação de quente vibrando. Viva com a mesma emoção sempre. 

Quando realizar sua parte, Deus fará a Dele. Não é assim que está na bíblia: faça a sua parte que Eu lhe ajudarei? Qual é a sua parte? Não se entregar às sensações geradas a partir de percepções pelo ego. Quando fizer isso, Deus fará a parte Dele.

Desta forma posso dizer que a luta do espírito que busca a elevação espiritual é pela e equanimidade.

Participante: a partir do que tenho ouvido do senhor, tenho tentado praticar. Por exemplo: às vezes tenho uma dor de cabeça e procuro não ligar para ela. Quando consigo, ela acaba sumindo. O engraçado é que consigo fazer isso com a dor, que aparentemente é uma coisa difícil de ser superada, mas, quando vejo fios de cabelo branco, não consigo deixar para lá…

Você está falando de dois trabalhos completamente diferentes. Um é o trabalho junto à percepção, o outro nas sensações.

O que lhe perturba não é o branco do cabelo, mas sim a vaidade. Ou seja, a perturbação não surge ao ver o cabelo branco, mas a partir do orgulho próprio ferido. Nesse caso, o trabalho não se trata de ficar equânime com a percepção do cabelo branco, mas sim com a sensação da vaidade.

Participante: é isso que estou falando. A dor, que é uma coisa aparentemente mais difícil de lidar, não judia tanto quanto a vaidade.

A dor não é pior coisa, pois é resultante da vaidade. O mais difícil para o espírito encarnado não é vencer a percepção, mas sim uma sensação.

A sensação é tão importante que a própria percepção nasce dela. Quem tem sensação de vaidade, vive percepções que falam de feiura, de defeitos, mesmo quando outros têm, na mesma cena, a sensação de beleza.

Lembra da questão da bulimia? Pessoas que possuem essa forma de ver o mundo, que vocês chamam de doença, se acham gordas mesmo quando outros se surpreendem com a magreza.

Voltando à questão das percepções, falei muito do frio, mas esse ensinamento vale para todas elas. Por exemplo: não existe mau cheiro. O que existe é a percepção de um odor que vem acompanhada do adjetivo mal e da sensação de não gostar.

O cheiro não existe: é uma percepção que Deus lhe dá. Ao mesmo tempo propõe a ideia de que é mau. Tudo isso para dar ao espírito uma oportunidade de optar pela equanimidade, demonstrando assim o seu amor a Deus acima de todas as coisas.

Mas, quando você vencer a percepção e a sensação de mal, o que acontecerá? Será que irão acabar todos os cheiros? Claro que não. O que irá terminar é a sensação de mau.

Participante: então, não tenho que fazer força para nada. Estou vendo o rato morto e não preciso me preocupar em me sentir bem, pois isto só acontecerá quando Deus fizer. É isso…

Não, você não precisa se preocupar em ficar bem frente ao cheiro ou à figura de um rato morto, mas não sofrer por causa disso. Pense assim: ‘eu estou aqui, estou sentido esse cheiro, meu ego está dizendo que ele é mal, mas não posso me sentir mal por causa disso’. Ou seja, a única coisa que não pode fazer, como já falamos, é ficar se lamentando porque está ali naquele momento frente aquele cheiro.