Anton Kiudero

E caminhando nos encontramos. Poucos a principio. Em grupos maiores logo depois. E juntos caminhamos, alegres, por entre florestas sombrias e assustadoras,
onde tudo é ameaça. Sem saber para onde vamos, nos deixamos guiar,
atravessando rios caudalosos e pântanos cheios de perigos. Dezenas de milênios se
esvaem. Deixamos as florestas, vagamos pelos campos e continuamos pelos
desertos, sempre guiados pela invisível e desconhecida mão que nunca nos
abandona.
Alguns estacionam no caminho, satisfeitos com o que já caminharam, estabelecemse, criam famílias, cidades e povos. Mais muitos milênios se passam. Povos
crescem, se guerreiam, desaparecem e outros surgem. Continuamos a caminhar
sem conhecer o caminho, sem saber para onde vamos e o que nos espera, sempre
guiados pelos invisíveis e desconhecidos olhos que a tudo vêem por nos. Do grande
grupo poucos restaram. Quase todos, em algum momento cederam ao que
denominam de vida humana e pararam em algum ponto da caminhada.
Atravessamos mares e escalamos montanhas sem fim, sempre sem rumo, guiados
pelo desconhecido.
Mais milênios se vão e vemos que estamos sós no caminho. Todos se foram, com
ninguém mais temos o que partilhar. Estamos sós no mundo, cheio de cidades e
bulícios, pessoas cada vez mais complicadas com o que pensam ser vida, lutando
entre si pela ilusão do nada. Tentamos nos comunicar, mas não nos ouvem e se
ouvem não compreendem e se compreendem não sentem e se sentem ainda assim
não vivenciam o que vivemos, preocupados que estão com suas ilusões. Por
instantes de lucidez, alguns nos vêem, mas rapidamente cerram os olhos e
retornam a suas insípidas vidas. Onde concentram todos os seus esforços e onde
pensam encontrar a inexistente, fugidia e ilusória felicidade.
Caminhamos sem parar, há muitas dezenas de milênios e finalmente
reencontramos um do grupo com quem junto caminhamos entre pântanos e feras,
velho, doente, cansado e meio morto pelo esforço realizado. E depois mais um
outro e outro mais. E guiados pelos invisíveis e ocultos olhos e pelas invisíveis e
ocultas mãos encontramos mais um aqui e outro acolá. E sem nos falarmos, apenas
sentindo a presença mútua, sabendo um da existência do outro, há tanto tempo
afastados, encontramos a felicidade. A felicidade de saber que sempre fomos
guiados, de dia e de noite, sem cessar, pelos mesmos caminhos.
E sem ilusões apenas caminhamos, em paz.