Como vimos a fé do espiritualista e do espírita devia ser fundamentada na certeza de que os acontecimentos de sua existência foram pedidos por ele mesmo antes da encarnação e que fizeram isso movidos pela sua compreensão espiritual sobre o que é melhor para si mesmo. Apesar disso, eles vivem a sua oportunidade de encarnação vivenciando a fé humana, ou seja, a entrega fundamentada no ganhar agora, no transformar os acontecimentos desta vida para que eles atendam seus interesses humanos, em fazê-los alcançar o bom e não o bem.


A fé dos espíritas e espiritualistas é raciocinada, ou seja, fruto de um conhecimento mental, mas as conclusões que ela espelha não são fundamentadas nos anseios espirituais, mas sim nos humanos. Se um espírita ou espiritualista pede ajuda ao mundo espiritual através do trabalho de uma entidade da umbanda e recebe, diz que aquela entidade é muito boa. Mas, se não consegue alcançar o que pediu, passa a dizer que ela não é forte, que o médium é um embusteiro, etc. Se buscou uma casa espírita e conseguiu pela interseção dela alcançar o que anseia, diz que ela é muito boa, se não conseguiu diz que a casa não presta.
A fé humana é fundamentada no bom e por isso disse que o ser humano não tem fé. Ela é exercida não por uma confiança no instrumento de sua fé, mas pela quantidade de coisa que ganha, pela quantidade de desejos que consegue alcançar.
Esta é uma coisa que precisa ser reformada por aqueles que pretendem aproveitar a oportunidade da encarnação. Devem ter uma fé raciocinada sim, mas precisa que o raciocínio esteja fundamentado por aquilo que você diz que acredita e não pela crença geral da humanidade. A fé raciocinada que os espíritas e espiritualistas devem vivenciar é aquela que é formada a partir da doutrina dos espíritos.
Reparem no termo que usei: doutrina dos espíritos. Eu sempre digo que existe a doutrina espírita e a dos espíritos. O que estamos lendo é a doutrina dos espíritos; o que você ouve de humanos é a doutrina espírita. Faço esta distinção porque a doutrina espírita para defender os anseios humanos nega, inclusive, o fundamento básico da fé de Kardec: a escolha das provas.
Não falo que esta negação se dá no ensinamento da doutrina. A informação de que existe uma escolha prévia por parte do espírito antes da encarnação é transmitida pelos espíritas humanos. O problema é que esta informação não é colocada em prática na religiosidade deles.
Quando um espírita condena alguém que disparou uma arma e acertou quem não tinha nada a ver com o assunto (bala perdida) deixa de viver a sua fé com base nos ensinamentos que recebeu, pois O Livro dos Espíritos ensina o seguinte:


“528. No caso de uma pessoa mal intencionada disparar sobre outra um projétil que apenas lhe passe perto sem a atingir, poderá ter sucedido que um Espírito bondoso haja desviado o projétil? Se o indivíduo não tem de perecer deste modo, o Espírito bondoso lhe inspirará a ideia de se desviar, ou então poderá ofuscar o que empunha a arma, de sorte a fazê-lo apontar mal, porquanto, uma vez disparada a arma, o projétil segue a linha que tem de percorrer”.


Ora, se o Espírito da Verdade diz que se o indivíduo não tiver que perecer receber um tiro terá um ser desencarnado que agirá no sentido de protegê-lo. Portanto, se aconteceu do projétil atingir o alvo e isso levou a morte, é porque este acontecimento tinha que acontecer. Por isso digo que não existe bala perdida, mas bala achada: ela achou o alvo, mesmo tendo sido disparada com outra intenção.
Este ensinamento faz parte de O Livro dos Espíritos e, portanto, deveria influenciar o pensamento dos espíritas e espiritualistas no momento em que estes se deparem com uma morte por bala perdida. Para que ele pudesse estar presente naquele raciocínio, seria preciso também que a crença de que a vida humana é dada por Deus como resultado do pedido do espírito antes da encarnação. Mais: deveria estar presente a crença de que ele pediu tal acontecimento a partir da consciência que isso é importante para a sua elevação espiritual. Tendo tudo isso presente, nada mais há para ser sofrido e nem ninguém para se acusar.
Como vivem ligados apenas à lógica humana, mesmo aqueles que querem aproveitar a oportunidade da encarnação acabam sofrendo e acusando o autor do disparo de assassino. Mas, o assassino, neste caso não é o ser humano.
Nas perguntas 527 e 528 de O Livro dos Espíritos se aborda a influência dos seres desencarnados em outros gêneros de morte. Numa Kardec pergunta se um espírito desencarnado quebra uma escada para um ser humano morrer por esta causa; no outro pergunta se é o espírito fora da carne que faz um raio cair na cabeça de quem precisa desta morte. Nas duas situações a resposta é uma só: o espírito não faz a coisa acontecer, mas encaminha o ser humanizado para onde haja as condições necessárias para a morte pré-determinada.
Aplicando a lógica humana, posso dizer que o espírito fora da carne que induz o ser humanizado a praticar determinada ação ou a estar em determinado lugar para que ele pereça não é inocente. Pelo contrário: ele é o culpado. Pela lógica dos seguidores da doutrina espírita eles deveriam ser protegidos pelos seres fora da carne, mas são dirigidos para que o que não é bom aconteça. Portanto, usando esta lógica, na verdade, são eles os verdadeiros assassinos. Pior: cometem o crime com agravantes, pois ele foi premeditado.
Apegando-se à doutrina espírita, ou seja, a interpretação humana que é dada aos ensinamentos dos espíritos, o ser humano acaba, então, julgando outro humano como culpado e sofrendo porque a humanidade perdeu com aquela situação.