O que é fazer justiça? Atender a preceitos que sejam considerados certos, corretos. Fazer justiça é dar razão a quem está certo.

A partir daí podemos dizer que cometer uma injustiça é fazer o que está errado. Quem comete uma injustiça está agindo de forma errônea. Mas, será que está mesmo? Vamos ver.

Quais são os critérios que definem o que é justo e o que não é? Muitos diriam que são estabelecidos de forma comunitária para cada sociedade. Mas, será que realmente o que uma sociedade escolhe estabelece o que é justo? Para responder a isso, vamos ficar na nossa própria sociedade.

Quem de nós nunca deu dinheiro a um guarda para que não multasse o carro, mesmo quando quebramos os critérios de nossa comunidade sobre velocidade, exigências para se dirigir ou para estacionar? Quem de nós se preocupa em atender a lei que manda conservar a calçada de nossas residências para não ferir outros? Quem de nós não tenta aumentar os abatimentos legais, mesmo que de forma fictícia, no final do ano para poder receber mais devolução do imposto de renda?

Será que agir assim é ser justo? Claro que não, pois estamos ferindo o código comunitário que legisla essas atividades. Mas, por causa disso consideramos injusto agir assim? Novamente, claro que não.

Achamos justo gastarmos menos com a propina do que com a multa; achamos justo poupar o dinheiro para nosso lazer do que consertar a calçada para proteger o pedestre; achamos justo receber mais de devolução do imposto de renda porque, afinal, o governo é rico. Pior do que menosprezar os códigos de leis é legalizar a injustiça.

Sim, os seres humanos não só desprezam os códigos legais quando lhes convém, como ainda muitas vezes legalizam a injustiça para não dar margem nenhuma a serem condenados por estarem errados. A legalização da injustiça se faz através dos parágrafos que são colocados abaixo do código legal. Normalmente eles criam exceções permitindo fazer o que o artigo diz que não deve ser feito.

Um dos exemplos mais gritantes da legalização da injustiça é o artigo 157 do Código Penal Brasileiro. Ele é taxativo: “não matar”. Apesar dessa rigidez, logo abaixo existem diversos parágrafos que criam condições onde matar é permitido.

Sei que é um exemplo questionável por se tratar de defesa da vida, mas quantos artigos dos códigos penal, cível e moral que legislam sobre coisas não tão fundamentais não possuem parágrafos que criam condições para que a lei seja quebrada?

Se tudo isso é real – e é – a justiça, então, não é determinada pelos códigos de leis que regem cada comunidade, mas sim pelos interesses de cada um. Ou seja, são os conceitos ou valores que existem em cada ser humano que determinam o que é justo para ele. Esses conselhos não se prendem a outra coisa, inclusive o código comunitário, a não ser ao próprio achar individual de cada um.

 Com a percepção de tudo isso, deveríamos, se pudéssemos, mudar a ideia que temos hoje do que é fazer justiça. Se a justiça é determinada pelos conceitos individuais de cada um e não pelo código comunitário, posso dizer que fazer justiça é agir de acordo com o que aquele ser humano considera justo.

A partir daí, temos também que mudar a ideia sobre injustiça. O que é ser injusto, então? É a ação do próximo que não condiz com os critérios de justo de um ser humano.

Mas, será que aquela pessoa foi realmente injusta? Acho que não porque mesmo que tenha agido contrário ao critério de justo do outro, agiu dentro do seu critério de justo. Vou dar um exemplo.

A família de um ser humano certa vez correu para escondê-lo porque ele, dirigindo bêbado de madrugada, tinha atropelado uma pessoa. Os parentes, que tinham posses, também se prontificaram a ajudar a pessoa atropelada, mas desde que ela não apresentasse queixa.

Isso é injusto? Para essa família não. Os conceitos ou verdades dessas pessoas diziam que o que seria injusto é um rapaz novo, com um futuro promissor, ter a sua vida estragada por causa de um ato de irresponsabilidade da juventude.

Eles estavam errados quando fizeram isso? Claro que não. Para eles não havia nada errado nesta forma de proceder porque consideravam mais importante (justo) preservar o futuro do rapaz.

Diante de tudo isso, volto a perguntar: quando ocorre uma injustiça? Apenas quando os nossos critérios de justos não são atendidos. Isso quer dizer que aconteceu uma injustiça? Não, apenas que uma pessoa seguiu os critérios de justiça dela.

Indo um pouco além, pergunto: diante de tudo isso, será que temos o direito de chamar alguém de injusto? Sim, temos. Por quê? Porque não conseguimos alterar os nossos conceitos.

Os conceitos humanos que criam os padrões de justiça e, por conseguinte, de injustiça estão tão enraizados e tão fundamentados por outros conceitos que eliminá-los seria uma tarefa inócua. Além do mais, tendo em vista a estrutura racional da mente humana, ao destruirmos um conceito certamente faríamos outro.

Então, temos que viver chamando de injusto o que é, pelo menos na ideia do outro, justo? Não. Mas, se não podemos deixar de ter conceitos, como fazer então? Apenas seguir o que foi ensinado.

Cristo disse: ame os outros como a si mesmo. Aplicar esse preceito nesse aspecto da vida humana é amar o critério de justiça do outro, como você ama o seu próprio.

Não, não estou falando em aceitar os critérios de justiça do outro ou em entendê-los ou, ainda pior, compartilhar com ele seus critérios. O que estou falando é em dar ao próximo o direito de ter critérios de justiça diferentes do seu.

Não se trata de passar a achar o que ele acha sobre as coisas, mas em praticar a verdadeira caridade como ensina o Espírito da Verdade: dar ao outro o que deseja para si. Se você quer para si o direito de saber o que é justo, deve doar ao próximo o direito de também querer sabê-lo.

Pronto. Se você acha que consegue mudar a sua forma de pensar, ao invés de querer lutar contra os seus conceitos, que como já vimos não trará vitória alguma, aceite que o outro tenha o padrão dele de justiça que está sendo utilizado naquele momento e confrontado com o seu. Com isso acabam todas as injustiças do mundo. Todas elas transformar-se-ão em justiças, pois se tornarão um ato fundamentado no critério justo do outro.

Sendo assim, é justo ser injusto.